Chegaram juntos, depois de meia-noite, em uma sepultura do Parco della Pace (parque da paz), famoso cemitério que abriga os mais ilustres e distintos membros da sociedade que foram sepultados com toda elegância e estilo merecidos. Cemitério para ricos, como diziam.
Jonathan usava um moletom preto,
calças jeans, luvas grossas de borracha e uma touca preta, o que o fazia
parecer um clichê completo de ladrão de covas. Era um sujeito alto e forte, o
tipo de cara que parece ter nascido com o bio tipo de seguranças profissionais
ou para ser ator de filme de ação, mas era bem pacífico. Sua pele era de um
branco levemente corado, o que acabava por denunciar sua posição no escuro e o
forçava a escolher acessórios para esconder as mãos e o rosto. Os olhos eram castanhos,
assim como seus cabelos que estavam bem escondidos pela touca, mal dava para
vê-los na escuridão. O parceiro, Hector,
tinha a pele parda bem característica dos mexicanos - e de fato era, um bigode
que ia até o fim do queixo e costeletas enormes. Não era baixo, nem alto, nem
gordo, nem magro. Era um cara tipicamente mediano. Também usava um gorro
escuro, um blusão preto de lã, calças pretas e botas enormes de couro. As mãos
pardas estavam à mostra, assim como seus anéis dourados. Os brincos e cordões
religiosos, bem como o resto dos acessórios, reluziam nas poucas vezes que a
luz do luar o iluminava. Ao contrário de Jonathan, ele não parecia se preocupar
se seria visto na escuridão.
- Cacete Hector! Cadê a porra das
luvas? Não prefere pendurar um pisca-pisca no corpo inteiro não? - Protestou
Jonathan diante da negligência do companheiro.
- Ora hombre, mas que besteira. Esses guardinhas bundões sequer tem coragem de ficar vistoriando cemitério. Não fazemos isso sempre e não dá em nada?
- Porra, você vai esperar dar merda pra começar a usar a droga das luvas? Juro que a mão não cai.
- Ora hombre, mas que besteira. Esses guardinhas bundões sequer tem coragem de ficar vistoriando cemitério. Não fazemos isso sempre e não dá em nada?
- Porra, você vai esperar dar merda pra começar a usar a droga das luvas? Juro que a mão não cai.
Hector respirou fundo olhando
impacientemente para Jonathan com um semblante que só os mexicanos conseguem
fazer. Sabia que o amigo não desistiria de adverti-lo e passaria o resto da
noite inseguro se as coisas não fossem minuciosamente executadas. Enquanto praguejava alguma coisa em espanhol,
tirou as luvas pretas do bolso de forma brusca, colocando-as em seguida como se
estivesse obedecendo alguma ordem da mãe ou da esposa.
- Satisfeito? Dá pra parar de encher
o saco? - perguntou Hector com seu sotaque carregado, esperando que Jonathan
relaxasse.
- Encher o saco o cacete! Alguém
nessa equipe tem que saber usar a cabeça.
- Ah tá, ok Johnny. Falando em
equipe, cadê o Edgar?
- Boa pergunta, já deveria ter
chegado.
- Eu tava esperando as moças pararem
de brigar - disse uma voz tão grave que daria inveja em qualquer tenor ou
cantor de blues.
Edgar saiu de trás de uma enorme lápide
ao lado de onde estavam os dois colegas. Tinham a pele de um ébano quase absoluto,
alguns acreditavam que ele era da Angola (na verdade era de Moçambique, mas nem
ele sabia disso, pois foi abandonado em um orfanato). Tinha quase dois metros e
mais de cento e vinte quilos de músculos e banha. Usava o vestuário similar aos
dos outros dois: gorro, blusa comprida, calças e botas. Tudo na cor preta, o
que lhe fazia parecer uma enorme sombra viva. As luvas, obviamente, não eram
necessárias se o único o objetivo fosse a camuflagem, então ele nem as usava.
- Cacete homem! - exclamou Jonathan,
tentando não gritar.
-
Quer nos matar crioulo? - perguntou Hector, que tinha intimidade suficiente
para trocar piadinhas raciais com Edgar.
- Cheguei beeem antes de vocês -
disse a montanha escura com sua voz assustadoramente grave após algumas risadas
roucas - Dormi escorado naquela lápide ali que tem um anjinho engraçado
esculpido. Como disseram, o defunto foi enterrado um pouco depois do pôr do sol.
Uma coisa linda de se ver. Família rica, gente bonita e educada chorando.
Hector andou em um pequeno círculo
ao redor dos dois parceiros, como se quisesse verificar se não havia ninguém em
volta antes de fazer alguma revelação que não poderia ser escutada.
- Como sabem - começou o mexicano -
minha prima é camareira na mansão onde o defunto morava, tanto que foi ela que
me informou sobre o enterro de hoje. Ela me disse coisas bem esquisitas sobre o
sujeito.
- Que tipo de coisa Hector? - perguntou
o curioso Edgar, com sua voz grave e arrastada.
- É. Que tipo de coisa? - reforçou
Jonathan.
Hector coçou a testa oleosa por
baixo da touca, fazendo uma expressão como se não soubesse por onde começar.
- Ela disse que a maioria dos donos
da mansão nunca aparecem de dia. Que quem ordena os empregados na parte da
manhã são uns primos esquisitos de segundo grau. E eles sempre trocam todos os
empregados uma vez por mês. É muito raro alguém ser "promovido" e
ficar por lá mais do que esse período.
- Estranho mesmo - comentou Jonathan
- Há quanto tempo sua prima trabalha lá?
- Essa é a parte mais estranha, ela
completaria um mês lá essa semana. Só que ela não volta pra casa desde ontem. Espero
que tenha ficado na casa do namorado.
- Pessoal, chega de papo esquisito e
bora começar a cavar essa sepultura? Só o terno que o branquelo foi enterrado
vale mais que nossa picape velha. - interrompeu Edgar que estava bem ansioso
para recolher os pertences que viu sendo sepultados com o morto.
-
Concordo com o Edgar, depois que recolhermos tudo você termina essa história
Hector. - disse Jonathan jogando uma das pás para o mexicano.
Normalmente dois deles cavavam e um
vigiava o perímetro, observando se alguém se aproximava. Revezavam, porque dependendo
de como estava a terra no dia poderiam precisar de descanso. Jonathan e Edgar,
por serem mais fortes, costumavam remover maiores quantidades de terra, mas
Hector nunca perdia o ritmo e cavava até mais rápido algumas vezes. E esta era
uma noite em que a terra estaria pesada. A chuva da tarde havia encharcado o
solo do cemitério.
Antes de começarem a cavar,
removeram todas os arranjos de flores que adornavam a sepultura. Haviam
bastante deles. Desde buquês à coroas, tudo feito dos tipos mais variados de
rosas, tulipas, gardênias e jasmins. Era um belíssimo jardim à luz do luar atribuindo
beleza àquele momento tão desrespeitoso. E um aroma bem característico.
- Pra mim isso é cheiro de morte -
disse Jonathan rompendo o silêncio enquanto ele e Hector cavavam - Sempre que
dei buquê de flores a alguém, me dava nostalgia de cemitério, exatamente porque
flores tem cheiro de enterro.
- Pois eu lembro da igreja -
retrucou Hector - Na Igreja que eu frequentava haviam muitos arranjos de flores.
Todos os domingos, durante a missa, eu sentia aquele cheiro, sabe? Me dá uma
sensação de pureza. É um cheiro que me lembra Deus.
- Deus tem cheiro de flores? -
irrompeu Edgar que ouvia a conversa enquanto ficava de olho nas luzes da sala
do guarda ao longe e dos portões do cemitério. Inteligência não era o forte
dele.
- Ou fede à morte. - respondeu
Jonathan com um sorriso irônico que já se tornava uma risada - É isso! Deus tem
cheiro de morte!
- Respeito hombre! - exclamou Hector - Jamais brinque com essas coisas! Pode
nos atrair maus presságios.
- Puta merda Hector - disse Jonathan
perplexo - você está violando solo sagrado e profanando uma sepultura para
roubar os pertences de um cadáver! Só aqui você já deve ter violado uns quatro
mandamentos.
- Mi Dios! Pelo que me
lembro, não há nada nos dez mandamentos que fale sobre profanação, nem algo a
respeito de solo de cemitério.
- Humrrum, tá. E quanto ao "não
roubarás"? - alfinetou Jonathan.
- Isso só se aplica à pessoas vivas
Johnny! Mortos não são o meu próximo, são amontoados de carne apodrecendo. Não
há uma alma ali. - defendeu-se o católico Hector.
- E não somos todos exatamente isso?
-
Vai virar filósofo agora hombre?! -
se exaltou o mexicano, esperando que aquilo desse um basta na discussão.
Jonathan sabia que o silêncio
interrompido pelo barulho arranhado da pá sendo fincada na terra, era realmente
mais agradável do que implicar com as convicções religiosas de Hector, apesar
de que ele achava isso bastante divertido.
Edgar, que estava mudo e paralisado
feito uma estátua, imaginando que cheiro tinha Deus, viu faróis ao longe,
adentrando pelos portões do cemitério. Mesmo àquela distância, ficou fácil
reconhecer que era uma limusine.
- Ei pessoal, tem um carrão entrando no cemitério. Parece um dos carros
que tavam aqui no enterro.
Os dois, que já haviam cavado
bastante, se entreolharam assustados. Nunca estiveram nessa situação.
- Agora a gente pára e vai embora? -
perguntou Jonathan.
- Es loco? Com essa terra e arranjos revirados vão descobrir que
estivemos aqui. Essa família é rica o suficiente pra pôr a interpol atrás da
gente se quiser.
- Porra, a gente reenterra então? -
indagou Jonathan novamente, perplexo.
- Espera aí gente! - interrompeu
Edgar - Eles tão parando perto da sala do vigia. Mas acho que vão vir pra cá
depois.
Hector começou a cavar
freneticamente. Parecia mais motivado do que antes.
- Tá maluco mexicano? O que você ta
tentando fazer? - indagou Jonathan.
- Eu não vou perder essa viagem, a
gente já ta quase no caixão! - disse o mexicano.
- Então anda com isso pessoal, se
eles vierem pra cá eu aviso vocês e a gente corre pra caminhonete. - informou
Edgar.
Um baque surdo soou, aquele barulho
tão característico para os três já simbolizava que haviam encontrado o tesouro.
Com as mãos tiraram o resto de terra que ainda cobria o caixão. O cheiro de
terra molhada se misturava com o aroma das flores vindo de fora.
- Pô, só esse caixão deve ter sido
uma fortuna - disse Jonathan.
- Vamos abrir logo, pegar o que
viemos pegar e ir embora - retrucou Hector.
Começaram a tirar a tampa do caixão
com cuidado para não fazer muito barulho. Estavam dentro da sepultura que
cavaram e mal podiam ver Edgar, o que era preocupante já que ele não falava
nada.
- Edgar! - sussurou Jonathan, alto o
suficiente para que Edgar o escutasse.
- Tudo bem aqui em cima pessoal. -
veio a voz em resposta.
Removeram por completo a tampa do
caixão, contemplado o bizarro momento em que comemoraram tantas vezes. A hora
da fúnebre recompensa.
O cadáver era de um homem jovem, no
máximo trinta anos. Pálido como uma vela. Tinha cabelos lisos, pretos e
escorridos até a altura dos olhos. Usava um terno italiano do tipo que só gente
muito bem sucedida pode comprar. Até as abotoaduras eram chamativas e
reluzentes. A gravata era de cetim, de uma cor próxima ao vinho. Os sapatos,
assim como o cinto, também valeriam uma ótima grana. O relógio era desses que
valem mais que um carro.
- Mi hermano! Tiramos a sorte grande!
- Cacete Hector! Dessa vez você
acertou mesmo! Dê um beijo na sua prima por mim! - comemorou Jonathan.
- Acho que só com essas coisas a
gente levanta uns cinquenta mil. Esse relógio vale quase isso. - disse o
mexicano que conhecia bastante gente no mercado negro.
Jonathan olhou para o cadáver
analisando-o. Parecia muito bem conservado, mesmo para alguém que acabou de
morrer.
- Hector, do que ele morreu mesmo?
- Hemorragia, tuberculose, uma
coisas dessas. Minha prima só disse que ele havia perdido muito sangue e
morrido. - disse Hector meio indiferente.
- Estranho. Ele parece tão bem pra
um morto. Que seja, vamos começar a pegar
tudo.
Hector não pensou duas vezes antes
de retirar o relógio e as abotoaduras. Descobriu um cordão dourado quando
enfiou a mão por dentro do colarinho do cadáver. Aparentemente caro, como todo
o resto.
- Dios mio... Por que alguns ricos querem levar todos os seus
pertences consigo? Eles não sabem que debaixo da terra não servem pra nada? -
falou Hector avaliando o cordão que tinha um pingente bem trabalhado em forma
da letra "G".
- Hector! Você me deu uma ideia!
Será que esse cara também quis ser enterrado com a carteira?
Jonathan e Hector começaram a
apalpar o os bolsos da calça sem encontrar nada. Em seguida procuraram dentro
dos bolsos internos do paletó, de onde Johnny tirou uma sofisticada carteira de
couro.
- Cacete! - exclamou Johnny contente
- Vamos ver quanto tem aqui.
Haviam muitas notas de cem dólares,
tantas que Johnny decidiu não contá-las ali e guardou-a no bolso. Eles sempre
dividiam tudo depois.
- Acho que já é o suficiente. Vamos
embora? - disse Jonathan.
- Es louco hombre? Não saio daqui sem toda essa roupa cara.
- Ok, mas anda logo com isso. Temos
que enterrar tudo ainda. - disse Jonathan com a leve sensação de que havia
esquecido algo. Foi quando ele lembrou que tinha um amigo grande, tapado e mudo
em cima da cova que não dava nenhuma posição há bastante tempo.
- Edgar! - chamou o apreensivo
Johnny.
- Calma! Eles entraram na sala do
vigia e tão lá até agora. - veio a voz grave lá de cima.
- Ufa... - suspirou Jonathan, que
agora começava a revirar a carteira para ver se tinha mais alguma coisa ou só
para passar o tempo até Hector terminar de despir o defunto.
Após percorrer alguns cartões de
crédito e carteirinhas de clubes restritos, tentou ler o nome daquele que ali
jazia morto. Apalpou os bolsos, de onde tirou um isqueiro para iluminar um
pouco e conseguir ler.
- Caralho Hector! - berrou Johnny
nervoso após descobrir a identidade do jovem cadáver - Giancarlo Giovanni! Você
é doente ou o quê?
Após dar um salto de susto pelo
esporro que levava do companheiro, o mexicano largou o defunto, sentindo pela
primeira vez a sensação de estar de fato profanando algo importante.
- Madre de Dios! Juro que não sabia Johnny! A Mercedez só me disse
que era uma família muy rica, mas não
me disse qual era. Quando vi o cordão com "G" pensei que era algo da
maçonaria!
- Esquece a porra do terno e vamos
embora. Se aqueles caras da limusine são da família Giovanni devem estar
armados, e até agora não sabemos porque estão aqui.
Ambos subiram desesperadamente na esperança de
que as pessoas sido vistas saindo da limusine não aparecessem por ali. Seria
preferível ser pego pela polícia. Sabiam que a família Giovanni era uma espécie
de máfia italiana que não tolerava nenhum tipo de desrespeito aos seus costumes
e tradições. Profanar o túmulo de um jovem membro falecido recentemente era o
tipo de coisa que resultaria nas piores torturas imagináveis.
Os dois foram tomados pela mesma
sensação de desespero quando subiram e não encontraram o amigo Edgar. Há pouco
haviam ouvido sua voz e já não viam nenhum rastro dele.
- Edgar! - sussurrou Johnny - Onde
diabos ele se meteu?
- Não faço ideia mi hermano, mas não fico aqui pra
descobrir.
- Ora Hector, um cara daquele
tamanho não conseguiria ir muito longe tão rápido. - disse Johnny tentando
parecer otimista - Anda, a limusine ainda está parada por lá, vamos enterrar o
cadáver já que não vem ninguém.
Antes de jogar o primeiro punhado de
terra sobre o caixão perceberam que o haviam esquecido aberto, mas o que de
fato intrigou Johnny foi a ausência do cadáver que outrora estava imóvel ali.
- Hector? Pode me explicar que porra
é essa? - disse com a voz trêmula.
- Santa Madre de Dios!
- Onde foi parar a droga do corpo que
estava ali?! Me diz que é alguma brincadeira sua Hector!
- Era tudo que eu queria dizer agora
Johnny! Mas não faço ideia nenhuma! Tá tudo muito estranho! Vamos embora logo hombre! O Edgar já deve estar nos
esperando na caminhonete.
- E a gente enterra o caixão de
volta mesmo sem o morto? - questionou Johnny.
- Carajo! Que se dane isso, vamos embora!
Ambos sentiram um calafrio na
espinha. Os pelos dos braços arrepiaram e uma sensação gelada inundou-lhes o
peito, sentiam a adrenalina quase transbordando com um pavor nunca
experimentado antes. Sabiam que havia alguém os observando logo atrás deles. Ouviram
o suspiro desse alguém, mas paralisados pelo medo, não conseguiam se virar. Se
entreolharam ao ouvir um passo na grama molhada. Uma passada leve demais para
ser de Edgar.
- Onde diabos pensam que vão com meus
pertences? - disse uma voz masculina tão grave quanto suave.
O pequeno medo transformara-se em
desespero. Seus corações retumbavam como os tambores que precedem um sacrifício.
Ambos olharam para trás confirmando o que suas mentes não queriam acreditar.
O cadáver estava de pé, imóvel como
uma estátua, encarando-os friamente com olhos verdes cintilantes. O terno e a
gravata agora reluziam com o brilho da lua. Olhou para seus pertences nas mãos
de Hector, inclusive os sapatos furtados. Deu mais um passo firme com os pés
descalços sobre a grama gelada em direção aos ladrões de sepulturas.
- Que diabos é isso Hector!? -
gritou Johnny não se importando se alguém ouviria.
No intervalo de uma batida cardíaca,
o cadáver vivo estava ao lado de Hector, não o viram se movimentar. Agarrou
Hector pelo pescoço e o ergueu do chão com uma enorme facilidade utilizando
apenas uma mão.
- Você tem o mesmo fedor daquela camareira
repugnante. - disse o Giovanni com os dentes cerrados.
De perto, Hector pôde ver os afiados
caninos que ficavam à mostra cada vez que Giancarlo Giovanni proferia suas
palavras. Neste momento conseguiu compreender todas as bizarrices por trás da
família Giovanni. Entendeu porque nunca aparecem de dia e o motivo pelo qual
"demitiam" sua criadagem mensalmente. Foi quando teve certeza de que
não veria sua prima nunca mais.
- Vampiro! - foi o que tentou gritar
o mexicano antes das enormes presas serem cravadas em seu pescoço. Os gritos de
Hector vieram em seguida, refletindo toda dor e desespero das vítimas dos
Giovanni.
Giancarlo segurava o mexicano pela
nuca. A medida que afundava seus dentes ia deitando-o no chão como se aquele
êxtase não o permitisse ficar de pé.
- Tira a mão dele! - gritou Johnny
erguendo a pá para acertar o morto vivo. O
vampiro largou o corpo do mexicano no chão, já sem vida e com olhos vazios. Com
reflexos absurdamente rápidos virou-se para Jonathan e segurou a pá com apenas uma
das mãos. Usando a outra, segurou Johnny pelo pescoço e o arremessou contra uma
lápide há mais de cinco metros de distância. Jonathan atravessou uma pequena
estátua de querubim que enfeitava algum túmulo infantil. Caiu com grandes
dificuldades para respirar, sentindo que uma de suas costelas haviam quebrado
no impacto.
Giancarlo Giovanni ainda estava confuso. Era
sua primeira noite como imortal. Todos na família Giovanni esperam pelo dia que
serão abraçados e eternizados como membros legítimos do clã, mas nenhum deles
acorda dessa forma. Os rituais do abraço
costumam ser em suas mansões de mobília refinada, onde os neófitos acordam
sobre camas forradas por lençóis de cetim sendo recebidos por todos os membros
presentes na região. No entanto, Giancarlo estava ali, imundo, recém saído de
uma sepultura que - por sorte - fora violada por ladrões. Se perguntava o que poderia
ter ocorrido caso ninguém o tirasse dali.
Os devaneios do morto vivo foram
interrompidos por um súbito desejo do qual não se lembrava. Era aquela sensação
inédita que seus primos haviam dito sentir na primeira noite de suas
imortalidades. A fome. O desejo. A necessidade de sangue. Olhou para Johnny
jogado no chão. O ladrão de sepulturas mal conseguia se mexer no estado em que
se encontrava.
Giancarlo caminhou graciosamente em
direção ao moribundo, com uma inesperada e sombria elegância para um momento
como aquele. Ajoelhou ao lado de Johnny lentamente, movimentando a cabeça num
gesto negativo. Um leve sorriso surgia em seus lábios mortos e sujos de sangue.
- Que má sorte, meu caro. - disse o
vampiro enquanto virava o corpo de Johnny para cima, já que ele tentava de
bruços rastejar para qualquer lugar longe dali.
- Depois que você me morder, eu vou
me tornar igual a você? - perguntou Johnny, esforçando-se para conseguir falar.
Com um semblante sarcástico, o
vampiro riu da ingenuidade. Não saberia dizer se aquela era uma das perguntas
mais ridículas ou inocentes que havia escutado. Com a mão na nuca de Johnny, o
levantou para acomodá-lo melhor quando fosse beber de seu sangue. Era como a
posição de uma Pietá sombria. Puxou a touca de Johnny, deixando seu cabelos
castanhos escorrerem pela mão que segurava a cabeça do infeliz.
- Não meu profano amigo, ladrão de
sepulturas. Você teria de beber o meu sangue após eu me alimentar do seu. Aprendi
isso recentemente. Mas não terá um privilégio desse, não nesta vida. - respondeu
o vampiro enquanto contemplava a fisionomia de Johnny. Com certeza seria um
belo imortal.
Num sorriso macabro, Giancarlo expunha
seus dentes brancos e afiados como cacos pontiagudos de porcelana. Cravou seus
dentes no pescoço do ladrão profano, que agora entendia toda dor sofrida por
Hector, precedendo sua abominável morte.
Enquanto tinha seu sangue drenado pelo
vampiro, Johnny relembrava de vários momentos de sua vida associados à morte.
Lembrara de como seu pai chegava alcoolizado no trailer em que moravam, de como
ele espancava sua mãe e seu irmão mais velho quando este entrava na frente para
protegê-la. Era impossível esquecer as ameaças de morte vindas do próprio pai,
caso algum deles o denunciasse a polícia. Recordou-se de quando recebeu a
notícia de que o pai havia estrangulado sua mãe até a morte, suicidando-se logo
em seguida com um tiro na cabeça. Seu irmão foi quem encontrou os corpos.
Lembrou-se de como encontrou o irmão morto, anos depois, com uma seringa no
braço, dentro do banheiro de um motel barato e imundo. Quem o acionou foi a
prostituta que estava com ele. Ela exigiu que Johnny pagasse o que o irmão
ficou devendo pelos serviços e pelas drogas, indiferente à morte de seu
cliente. Após a sequencia de lembranças mórbidas sobre seus familiares, lembrou
de quando conheceu Hector e Edgar num bar, perguntando o que eles faziam para
ganhar dinheiro fácil sem trabalhar, matar, vender drogas ou realizar outro dos
crimes típicos. E veio seu novo contato com a morte. A morte como forma de
ganhar a vida. Veio em sua memória cada caixão aberto de todos os ricos que
foram sepultados com pertences caros, como se isso desse mais prestígio ao fim
de suas existências. Depois das lembranças, Johnny se dera conta do último
contato com a morte, das presas de Giancarlo cravadas em seu pescoço levando
sua vida a cada gole de sangue. Já não existia mais dor. Johnny não lembrava
por quanto tempo gritou, mas sabia que agora não ouvia ou sentia nada. Só lhe
restava o silêncio eterno e o cheiro das flores espalhadas.
O vampiro estava em êxtase sobre o
corpo de Johnny, se deliciando com o silêncio da vítima, o que era uma situação
rara. A mordida os vampiros Giovanni era conhecidas por serem extremamente
dolorosas, diferente dos demais, o que lhe acarretavam sérios problemas ao se
alimentar em locais públicos. Lentamente, ele bebia o sangue quente de Johnny,
sentindo vez ou outro o mal estar das memórias do mortal. Ele estava
compenetrado o suficiente com seu êxtase para não escutar os pesados passos de
Edgar que se aproximava por trás dele.
- Sai de cima dele! - Gritou o
enorme Edgar, que com um movimento rápido cravou uma picareta no pescoço do
vampiro, atravessando o finco pelo seu pescoço.
Giancarlo
regurgitou boa parte do sangue que bebia quando sentiu o golpe, tingindo de vermelho
todo o rosto de Jonathan. O vampiro não conseguia falar com aquele metal
atravessado em seu pescoço, emitia sons engasgados e roucos enquanto o sangue
escorria de sua boca. Antes que ele conseguisse se levantar por completo e
alcançar o cabo da picareta que estava atrás de si, Edgar desferiu-lhe um novo
golpe na cabeça, agora com uma pá. Foi quando o Giovanni se deu conta de que
existem humanos com força suficiente para atordoar vampiros, sendo Edgar, sem
sombra de dúvidas, um deles.
O morto
vivo caiu zonzo, ainda com a picareta cravada em seu pescoço. Rastejava
enquanto tentava recobrar os sentidos. Obviamente, Edgar não daria chance para
o vampiro se reestabelecer, desferindo-lhe mais vários golpes na cabeça. O
barulho do metal da pá golpeando o crânio de Giancarlo ecoava no cemitério.
Alto o suficiente para atrair a atenção de seja lá quem estivesse na sala do
vigia, como os homens de terno que chegaram na limusine.
Johnny, entreabriu os olhos.
Recobrou a consciência sem entender muita coisa do que se passava. Só via um
negro enorme tentando esmagar a cabeça de Giancarlo. Não conseguia sentir
muitas coisa, até o momento em que sentiu o sabor do sangue nos lábios. Boa
parte do sangue do vampiro havia escorrido na boca de Johnny quando a picareta
perfurou a garganta. Foi quando o ladrão de sepulturas lembrou das palavras do
vampiro. E soube que só havia uma forma de sair "vivo" dali nesta
noite.
- Edgar! Pare! - gritou Johnny
fazendo todo o esforço que pôde.
Edgar assustou-se ao ouvir a voz do
amigo. Pensava que já estivesse morto.
- Johnny! - caminhou com seus passos
rápidos e desajeitados até o companheiro.
- Edgar, preciso que me leve até
ele. Preciso beber o sangue dele pra sobreviver.
- Tá doido? A gente vai pra algum
hospital! - disse Edgar erguendo o amigo com bastante facilidade.
- Edgar, não dá tempo. Eu perdi
muito sangue. Preciso que faça isso.
Edgar, ainda que relutante, levou o
amigo até o vampiro inconsciente. Deitou-o ao lado de Giancarlo esperando a
próxima ordem sem sentido, não conseguia conceber o que era aquilo.
Johnny arrancou a picareta do
pescoço de Giancarlo, percebendo que o furo, ainda que grande, estava se
fechando inexplicavelmente rápido. Cravou seus dentes na ferida bebendo o máximo
que conseguia. Sugava com força, na esperança de que conseguisse o suficiente
para se transformar naquela coisa que estava ali diante dele. Na verdade, ele
sequer fazia de que quantidade seria suficiente. Sentiu uma distinta mistura de
prazer e repugnância quando o sangue lhe descia pela garganta.
Havia algo de errado. O momentâneo
êxtase que Johnny sentia começou a se transformar em dor, como se ele houvesse
ingerido uma grande quantidade de veneno. Sentia o corpo todo queimar por
dentro, como se chamas quisessem sair por trás de seus olhos.
- Johnny! Fala alguma coisa! Johnny!
- gritava Edgar que já não via nenhuma reação do amigo.
O suspiro final de Johnny se foi com
seu último gole de sangue. Os olhos abertos, a boca semicerrada. Edgar colocou
o ouvido no peito do amigo, sem ouvir nenhuma pulsação. Era tarde quando ele
tentou se salvar. Já estava praticamente morto com a perda excessiva de sangue.
Com os dois amigos mortos, Edgar decidiu que aquela noite bizarra deveria se
encerrar com um mínimo de dignidade. Ergueu Johnny e caminhou até o túmulo
aberto de Giancarlo.
- Pelo menos vocês vão ficar no
túmulo de um rico. - disse Edgar com a voz trêmula e os olhos marejados.
O
silêncio do momento foi rompido pelo barulho de um tiro. Edgar sentiu a bala
quente entrando por trás de seu joelho, atravessando-o, o que o fez largar
Johnny na sepultura. Olhou para trás esperançoso que fosse o vigia, mas
constatou a pior das hipóteses assim que viu os dois homens pálidos de terno
que caminhavam em sua direção. Ambos altos, de olhos claros, cabelos curtos. Um
deles, vinha andando com uma pistola prateada em punho. Não tinha uma boa mira.
- Já te disse, esses artifícios são
barulhentos e você não sabe atirar. - disse um deles ao outro. Era notório seu
forte sotaque italiano.
- Primo, o único que poderia ouvir o
tiro é o vigia que você matou há poucos minutos. Só há mortos aqui.
Quando chegaram próximos à
sepultura, se depararam com Edgar, caído de joelhos, chorando em desespero por
ter perdido sua última chance de sair dali vivo ao ajudar Johnny.
- Mas que tipo de bagunça foi essa?
- perguntou aquele que parecia mais sensato, e não usava arma alguma. - Me
responde Giuseppe, o que diabos vem a ser isso?
- Como poderia saber Fausto? -
retrucou Giuseppe.
Ambos se entreolharam, reconheceram
o primo Giancarlo desacordado e ensanguentado no chão. Ainda demoraram a
entender aqueles três homens vestidos de forma parecida, ainda mais ali,
naquele grotesco cenário. Tudo fez sentido quando viram as pás jogadas no chão
e os pertences de Giancarlo espalhados ao redor. Era mais do que óbvio
reconhecer o ofício daqueles três.
- Ah sim. Má noite, não é? - disse Giuseppe,
encostando a pistola ao lado da cabeça de Edgar.
- Pelo amor de Deus... - implorou
Edgar, entre lágrimas e soluços. Antes que ele continuasse a falar qualquer
coisa, um tiro atravessou sua têmpora, tingindo de vermelho a grama e as
lápides mais próximas.
Giuseppe pegou umas das pás,
usando-a para virar o corpo de Edgar. Quando chegou na beirada da sepultura deu
um chute para empurrá-lo túmulo abaixo, o fazendo cair sobre o corpo de Johnny.
Fausto vinha puxando Hector por um dos pés, como se fosse um pedaço de entulho
qualquer. Ergueu o cadáver como se fosse uma pluma e soltou em cima dos dois
corpos que já estavam na sepultura, fazendo uma grotesca pilha de corpos
desajeitados.
Com seus sentidos apurados, Fausto
poderia sentir, enxergar e ouvir mais do que um suspiro à distância. Procurou
ouvir os batimentos cardíacos de qualquer ser ao redor. Nada, as únicas coisas
vivas - ou mortas - que se movimentavam ali, eram ele e seu primo.
Jogaram a picareta dentro do túmulo.
Com as pás, foram soterrando aqueles saqueadores de cadáveres, tão mortos como
cada defunto que lhes gerou algum lucro. Quando terminaram, ainda se deram ao
trabalho de recolocar os arranjos de flores de volta, cuidadosamente, assim
como foram encontrados antes dos ladrões chegarem.
Ouviram um gemido engasgado por
perto. Murmurava coisas inteligíveis, como se praguejasse ou resmungasse algo. Era
Giancarlo, recém acordado e revirando-se no chão enquanto tentava relembrar das
últimas coisas ocorridas antes de seu desmaio.
- Mas o que... Onde diabos estão
aqueles dois? - disse enquanto levantava-se.
- Mortos e enterrados, primo.
Lamentamos, mas tivemos que usar tua sepultura. - respondeu Giuseppe
- O que foi que aconteceu? -
perguntou Giancarlo olhando para a terra e o sangue que recobriam-lhe o corpo.
- É exatamente essa a história que
estamos ansiosos para ouvir meu recém chegado às sombras. - respondeu Fausto -
Esperávamos que sua primeira noite fosse bem diferente dessa.
- Fizeram um belo estrago aí, primo.
- observou Giuseppe olhando para os ferimentos que se fechavam de forma
sobrenatural. Mas ainda assim, depois dos vários golpes com a pá, dados por
Edgar, o rosto de Giancarlo estava bem irreconhecível. Aos poucos ia voltando
ao normal.
Giancarlo não respondeu,
simplesmente fitou Giuseppe como alguém que está sem paciência para qualquer
tipo de piada. Fausto aproximou-se dele com um ar de quem queria consolá-lo.
- Bem, é isso. Temos uma longa noite
pela frente meu primo. Os mais velhos estão aguardando-lhe. - disse Fausto
enquanto abraçava o primo e ia o levando até o carro.
Os três passaram em frente à sala do
vigia quando saíam. Giancarlo aproveitou o corpo do senhor gordo e de bigode
espesso que estava jogado no chão atrás de uma mesinha de papéis. Em alguns
casos era até bom se alimentar dos mortos, afinal, eles não sentiam dor nem
gritavam.
Giancarlo foi o último a entrar na
limusine. Seus pés descalços tocaram o carpete áspero do carro. A poltrona
macia parecia abraçá-lo como uma mãe carinhosa. Pela primeira vez na noite,
podia fazer uso de seus dons sobrenaturais e conhecê-los intimamente, como esta
sua nova sensibilidade. Abriu a janela para olhar - mesmo de longe - para o
túmulo do qual havia sido retirado. Não havia digerido ainda os acontecimentos
daquela noite peculiar nem lembrava muito bem do que aconteceu antes de perder
seus sentidos.
Um vento gelado passou pela sua
tumba, levando consigo um aroma especial e difundindo-o por todo o cemitério.
Antes que fechasse o vidro, Giancarlo sentiu uma brisa gélida tocando-lhe o
rosto, impregnada com o perfume das flores do túmulo onde jaziam os ladrões de
sepultura.
Esvaíram-se nas sombras da noite,
assim como o adocicado cheiro de morte deixado para trás.
***
Algumas noites depois, em um bar
próximo ao cemitério, uma senhora vestida de garçonete enxugava canecas de chope.
Apesar de que só foram lavadas para tirar a poeira. Há muito que não recebia
clientes. Era um péssimo ponto, só algumas pessoas de luto paravam por ali na
esperança de anestesiar suas mágoas. Querendo ou não, era um bar que dependia
da morte alheia para ter sucesso. Quando muita gente morria, ela
comemorava.
- Eu devia ter aberto uma funerária
ou uma floricultura - disse ela pensando alto enquanto soprava a fumaça do
cigarro pelo canto da boca.
Na TV suspensa ela assistia o
noticiário. Não havia muito coisa interessante passando na programação da noite
e estava com um único cliente, um tanto quanto sujo, debruçado sobre a mesa ao
lado de uma xícara. Provavelmente era um desses mendigos que só pedem um café
para poder ficar abrigados no estabelecimento se passando por fregueses. Mas
ainda assim, era melhor do que a solidão completa da noite. Não via nenhum
carro fúnebre indo em direção ao cemitério, significando clientes em potencial.
Seria uma madrugada daquelas.
No noticiário o repórter falava de
uma sepultura violada no Parco della Pace.
A polícia dizia ter encontrado a terra toda revirada e dois corpos
identificados como Hector Ortiz e Edgar Collins. O vigia também havia sido
encontrado morto em sua sala. Disseram não saber do paradeiro de Giancarlo
Giovanni, sepultado naquela cova alguns dias
atrás. A família já havia sido acionada e prometeu não descansar até que o
corpo fosse encontrado. Disseram que a causa da morte de dois dos homens enterrados - Hector e o guarda - teria sido perda excessiva de sangue, embora não entendam como isso possa ter ocorrido já que não possuíam nenhum ferimento. Mesmo Edgar, que fora encontrado com um evidente tiro que atravessou o crânio, não possuía um gota de sangue no corpo.
- Credo! É cada uma que acontece nos
dias de hoje. - disse a dona do bar falando sozinha novamente.
- Realmente, tem muita coisa
estranha acontecendo por aí. - respondeu uma voz masculina logo atrás dela.
A caneca escorregou, espatifando-se
no chão em pequenos cacos cristalinos. Assustada, ela levava uma das mãos ao
peito olhando para o homem sentado do outro lado balcão. Era o mesmo
"mendigo" que há poucos minutos estava debruçado sobre a mesa.
- Você me assustou rapaz! - disse a
senhora ainda atordoada por ter sido surpreendida.
Ele estava imundo. Manchado de
tonalidades rubras que lembravam sangue seco. Sua roupa - outrora preta - estava
com aquele aspecto amarelado e empoeirado como se ele tivesse rolado por alguma
estrada de chão. Além disso, haviam resquícios arenosos de terra em seus
cabelos castanhos, um tanto quanto lustrosos. Mesmo naquelas condições, era
fácil perceber que ele era um jovem muito atraente. Os olhos quase dourados do
rapaz percorreram o corpo da proprietária, como se de alguma forma a
desejassem.
- É, eu venho fazendo muito isso
ultimamente. - respondeu melancólico.
Ela notou a palidez do jovem, era
óbvio que não estava se sentindo bem. Parecia estar desidratado, anêmico ou
coisa parecida.
- Meu jovem, você está bem?
- Já estive melhor.
- Você se acidentou ou algo do tipo?
Com essa roupa imunda parece até que você caiu de um barranco.
- Ossos do ofício. Sempre tive que
me sujar um pouco.
- Ofício? - perguntou ela perplexa -
No que você trabalha? Ou melhor, quem é você?
-
Sou coveiro. Jonathan. Mas pode me
chamar de Johnny.
De alguma forma que ela não saberia
explicar, achou aquilo atraente. Era algo enigmático, sombrio e sexy. Tentou
oferecer uma bebida, mas ele recusou.
- Desculpe. Mas se eu dissesse o que
eu realmente quero você se assustaria. - disse ele fitando o pescoço da senhora
com um sorriso malicioso.
- Ah é? E o que seria isso? - disse
ela debruçando sobre o balcão e se insinuando. Não tinha contato com um homem
de verdade há anos. Percebeu um forte cheiro de flores no rapaz.
- Não quero assustá-la, sério.
Ela se aproximou do ouvido de
Johnny, sussurrando em sua orelha com o hálito quente.
- Pois eu estou muito ansiosa para
você me dar um baita susto. Aposto que você é daqueles que gostam de um pouco
de violência na cama, não é? - perguntou ela, deixando propositalmente seus
lábios esbarrarem na orelha de Johnny.
- Eu diria que é exatamente isso. -
respondeu ele com um aspecto provocante.
- Se eu prometer não me assustar, você
promete me fazer gemer bem alto? - perguntou ela com uma voz erótica, possuída
por um desejo que jamais havia sentido.
- Melhor do que isso querida -
respondeu ele enquanto delicadamente levava as mãos ao pescoço da mulher,
puxando com força os cabelos de sua nuca. - Prometo fazê-la gritar como nunca.
Horas depois, um senhor completamente
transtornado por ter perdido a esposa para um câncer terminal, foi até o bar, precisando
muito de uma dose - ou uma garrafa - de uísque. Uma pena ter encontrado uma
placa com os dizeres: "Por hora, estamos fechados".
V. Kane
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